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Artigo: Trabalhadores(as) de Saúde e o seu protagonismo na crise do coronavírus

Foto: Marcello Casal/Agência Brasil

O cenário atual tornou evidente a importância dos(as) trabalhadores de saúde que, historicamente, são desconsiderados(as) pelo Estado em sua condição de formação, trabalho, salário e situações relacionadas. De maneira expressiva, nunca foi tão divulgada a relevância deste trabalho para o bom funcionamento da sociedade.

É um momento histórico que demonstra a fragilidade humana e as incertezas, onde é preciso desvendar a dinâmica da produção na sociedade e a verdadeira dimensão do trabalho em saúde, que é desvalorizado e regido pela lógica do mercado.

A Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 30 de janeiro de 2020, evidenciou a responsabilidade dos Estados no âmbito mundial para respostas e ações de combate ao Covid 19. A Declaração anuncia a preocupação com o potencial do vírus e é o nível mais alto de alerta, reservado para questões que exigem uma resposta internacional coordenada, e a partir dela cabe aos governos tomar decisões e medidas de proteção, consistentes e baseadas em evidências técnicas e científicas.

A OMS alertou que as medidas adotadas para conter o contágio, de isolamento social e quarentena, poderiam ter grande impacto social e econômico, reconhecendo inclusive que os(as) trabalhadores de saúde envolvidos(as) participam na linha de frente, 24 horas por dia e 7 dias por semana, exigiriam a preparação para tratar os doentes, salvar vidas e controlar o surto.

Neste mesmo dia, o governo brasileiro através do Ministério da Saúde (MS), publica o Decreto 10.211/2020, que reativa o Grupo Executivo Interministerial de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, com objetivo de coordenar a articulação de medidas de preparação e de enfrentamento ao vírus. E, estabelece o Plano de Contingência Nacional e cria o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública do novo Coronavírus – COVID-19. Tais medidas definem o nível de resposta e a estrutura correspondente a ser configurada, para uma ação coordenada no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Neste sentido, merece destaque que no Plano de Contingência as respostas e medidas indicadas priorizam de maneira significativa as ações da Atenção Primária à Saúde (APS), orientando o seu fortalecimento que deve ocorrer no nível local – região e municípios, inclusive com ações de educação em saúde referente à promoção, prevenção e controle do vírus. Entretanto, a APS reconhecida como porta de entrada do SUS, nas últimas décadas não consegue se consolidar, e no atual governo vem sendo desconstruída e precarizada.

Foi necessária a situação de calamidade pública para o governo “reconhecer” que sem ela não consegue adotar as medidas indicadas, uma vez que a APS tem abrangência nacional e está presente nos mais diversos locais, como postinhos, centros de saúde, unidades básicas, núcleo de saúde da família, unidades móveis de barcos, dependendo das características e particularidades de cada região, buscando favorecer o acesso da população à saúde.

Nestes espaços estão os(as) trabalhadores(as) de saúde que conhecem as pessoas, suas famílias, grupos e comunidades em situação de vulnerabilidade social, e é onde trabalhadores e população vivenciam cotidianamente o desmonte do SUS, principalmente, após a EC 95 que congela o financiamento de políticas públicas essenciais, notadamente a APS.

UBS do Jardim Luiza. Foto: Divulgação/Câmara de Vereadores

A outra questão, a ser destacada, é que a partir do Plano de Contingências, o isolamento social e a quarentena indicados como estratégias essenciais de contenção do vírus, portanto, deveria ter resultado na organização imediata dos demais Ministérios para dar respostas a esta crise, já que o Grupo é Interministerial. Entretanto, passados cerca de 60 dias o governo ainda discute “o que fazer” diante da realidade de desemprego e da fome a que milhares de pessoas estão submetidas com o isolamento social, e se prende em questões burocráticas, disputas político partidárias, decidindo ainda as respostas efetivas a serem concretizadas.

Como exemplo, as Santas Casas e Secretarias Municipais de Saúde estão denunciando que com o financiamento que recebem conseguem fazer compras de materiais e equipamentos para o uso de no máximo 15 dias, e também que o valor de mercado de alguns destes produtos essenciais sofreu acréscimo nos últimos meses, alguns de até 90%.

A crise do coronavírus evidencia que, diante da expressiva desigualdade social onde uma parcela significativa da população está em condições de extrema pobreza, o enfrentamento da pandemia só será possível a partir de respostas coletivas, éticas e políticas, unindo esforços e ações de toda a sociedade. Este enfrentamento coloca a necessidade de respostas imediatas através de políticas sociais emergenciais, considerando as particularidades do país. Sobretudo, evidencia que o mercado do capital deve ser o mercado para a saúde e a vida humana.

A capacidade de mobilização da sociedade brasileira, que se expressou no movimento pela reforma sanitária nas décadas de 1970 e 1980 e resultou na construção do SUS, tem nos conselhos e conferências de saúde o espaço para sua defesa.

É o espaço para a luta do SUS devidamente financiado e contra a orientação neoliberal de privatização, fragmentação e focalização. O princípio universal de acesso à saúde deixa claro que é a partir da APS e do município que se concretiza o enfrentamento da pandemia, nas ações de informação, esclarecimentos, vacinação, triagem, diagnóstico, referência, e ações mais complexas conforme os protocolos estabelecidos, portanto, a luta contra a Emenda Constitucional 95 (EC95) que congela o financiamento por longos 20 anos, é também urgente.

Enquanto o governo decide as medidas a serem tomadas, a sociedade brasileira com sua capacidade de mobilização social mostra “como fazer”, e está criando estratégias de respostas imediatas com ações solidárias para atender necessidades básicas de alimentação, higiene, produção de material para segurança na saúde e outras expressivas ações, como as pesquisas e estudos. Esta resposta imediata da sociedade demonstra o seu reconhecimento do SUS e de seus trabalhadores que, mesmo em condições desprotegidas em que muitos se encontram, mostram o compromisso com a saúde das pessoas.

UBS Planalto. Foto: Divulgação/Facebook

Mas afinal, quem são as(os) trabalhadores de saúde? São todas as pessoas envolvidas, direta ou indiretamente, em ações cuja intenção principal é a melhoria da saúde e o trabalho é proteger e promover a saúde, que coletivamente e em toda a sua diversidade formam a força de trabalho, segundo a OMS (2006) e o MS (2004).

São também as pessoas que ajudam o Sistema funcionar, mas não prestam serviços de saúde diretamente à população, desempenham atividades essenciais como manutenção de prédios e equipamentos, distribuição de remédios, planejamento e estabelecimento de direções. É a espinha dorsal invisível do SUS, que está na administração, gestão, estatística e no apoio como um todo.

Todos(as) vivenciam cotidianamente situações e emoções de insegurança, medo, tristeza, dores, morte, ou seja, a imprevisibilidade a que estão submetidos(as) com as demandas e as decisões a serem tomadas, influenciam diretamente a vida destes(as) trabalhadores(as).

É nesse sentido que o enfrentamento do coronavírus torna evidente a concepção ampliada de saúde, reconhecida como decorrente das condições de trabalho, renda, moradia, educação, lazer, transporte, segurança, cultura, acesso aos bens e serviços produzidos socialmente.

Esta visão de totalidade defendida constitucionalmente, mostra o significado social de atividades e de profissões consideradas de pouca importância em nossa sociedade, como da segurança pública, limpeza, cozinheira, pequeno produtor, motoqueiro, caminhoneiro, frentista, balconista, repórter, fotógrafo e diversos outros, que neste isolamento social nos mantem na segurança de nossas casas.

Por fim, é uma crise que pode trazer novos significados para nossa sociedade e não deve ser esquecida. Merece reflexões e debates para transformações na maneira de como nos relacionamos e como priorizamos o que realmente tem valor. A partir dela podemos ter a coragem de decidir coletivamente que tipo de sociabilidade queremos, assim, o isolamento social pode ser uma oportunidade de reconhecer que toda atividade humana é fundamental para a sociedade.

Artigo de Fernanda de Oliveira Sarreta, professora do Curso de Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP, Câmpus de Franca/SP. Coordenadora do Grupo Quavisss – Política de Saúde e Serviço Social.

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